19 janeiro, 2007

As ferrovias do Rio de Janeiro na Revolta da Armada de 1893 (1-2)

1. Introdução

No dia 7 de setembro de 1893 os jornais do Rio de Janeiro davam as primeiras notícias sobre o movimento comandado pelo almirante e ex-ministro Custódio José de Melo (1840-1902). No dia anterior Melo havia se apossado dos navios da marinha que se encontravam na baía da Guanabara. Noticiou-se, também, que naquele mesmo dia a Estrada de Ferro Central do Brasil sofrera uma tentativa de paralisação coordenada pelo oficial da marinha, deputado constituinte e líder operário José Augusto Vinhais (1858-?). Esses dois únicos eventos marcaram o início do que a história classificou como a Revolta da Armada.

O conflito estendeu-se até 13 de março 1894. Foram seis longos meses durante os quais o Rio de Janeiro e Niterói tiveram a sua rotina completamente subordinada às contínuas escaramuças, trocas de tiros, movimentos de tropas. Suas populações viveram situações de medo e sustos. E diferentemente do que ocorrera em um movimento da mesma natureza, em 1891, quando um único tiro lançado do mar sobre a cidade atingira o zimbório da Igreja da Candelária, a nova situação produziria dezenas de civis mortos e feridos.

Não resta dúvida de que os navios da armada constituíam a maior ameaça pois tinham poder de fogo suficiente para ameaçar as fortalezas em terra e, o que era mais importante, capacidade para bloquear as atividades do porto, então o coração da economia da capital do país[1]. Contudo, as ferrovias haviam se tornado a espinha dorsal do sistema de transportes e das comunicações telegráficas, essenciais, portanto, ao funcionamento da cidade e do próprio governo[2]. Com o bloqueio do porto e com a paralisação da ferrovia ficaria sufocada a atividade econômica e o centro do poder praticamente isolado do resto do país.

2. Antecedentes do conflito

Se a monarquia brasileira caiu porque estava politicamente fragilizada, também é verdade que os militares que depuseram D. Pedro II não tinham sustentação e unidade suficiente para manter o poder tão facilmente conquistado. Deodoro da Fonseca, chefe do movimento e do governo revolucionário que se instalou a 15 de novembro de 1889, conseguiu, não sem dificuldades, se fazer eleger presidente com base na nova Constituição. E isto no ano de 1891, apenas dois anos após ter proclamado a república. Mas Deodoro, que tinha pela frente um período de quatro anos, não conseguiu cumprir sequer o primeiro do seu mandato. A 23 de novembro desse mesmo ano, vinte dias após haver decido fechar o Congresso e decretar o estado de sítio, o marechal-presidente foi levado a demitir-se sob intensa pressão dos seus opositores.
Naquela oportunidade, como depois em 1893, duas ações ostensivas também tinham sido adotadas para mostrar a dimensão das forças de oposição a Deodoro. Uma rebelião da Marinha e uma greve dos funcionários da Central do Brasil. À frente dos movimentos os mesmos Custódio de Melo e Augusto Vinhais[3].

Coube ao Marechal Floriano Peixoto, vice de Deodoro, assumir a chefia do governo. Mas a sociedade continuava dividida. Em fevereiro de 1893 eclode o movimento “federalista”, no Rio Grande do Sul, contra o governador Julio de Castilhos, que era apoiado por Floriano. Pouco depois o governo começa a sofrer baixas em seu gabinete. A 22 de abril renuncia o ministro Limpo de Abreu, da Viação e Obras Públicas e a 27 é a vez dos ministros Serzedêlo Correa, da Fazenda, e Custodio de Mello, da Marinha, se retirarem do governo. Os dois últimos dão à divulgação manifestos expondo seus desacordos com Floriano. Logo a seguir, no início de junho, o almirante Eduardo Wandenkolk, ex-ministro de Deodoro, se incorpora ao movimento gaúcho contra Castilho, tomando posse do comando de alguns navios de guerra que estavam na região e atacando Porto Alegre. O golpe falha e Wandenkolk é novamente preso[4].

A oposição a Floriano não esmorece. No congresso, os opositores preferem organizar suas forças em função do calendário eleitoral. Na caserna, contudo, os descontentes têm pressa de mudar as coisas e raciocinam sob o efeito dos movimentos anteriores que a sociedade havia legitimado. Assim, depois de algumas hesitações entre os articuladores, o almirante Custódio de Melo é escolhido para liderar a nova revolta, declarada no dia 6 de setembro de 1893.

Continua...

Notas:
[1] Em 1893 o valor agregado das exportações e importações que foram movimentadas pelo Rio de Janeiro correspondeu a 31,9% do comércio total brasileiro naquele ano. São Paulo movimentou o equivalente a 26,1%.
[2] No final de 1890 o Brasil contava com 9,973 milhões de quilômetros de estradas de ferro em tráfego, das quais 6 milhões de quilômetros haviam sido construídos na década 1881-1890. A legislação que regulamentava as concessões de ferrovias exigia que fossem construídas linhas e postos telegráficos ao longo das novas estradas.
[3] Vinhais, um personagem hoje praticamente esquecido, havia nascido no Maranhão, em 1858, filho de um negociante português. Sentou praça na Marinha em dezembro de 1877 onde fez carreira, chegando a 1º Tenente dez anos mais tarde. Era considerado um republicano histórico e por essa razão tinha sido nomeado por Deodoro para ocupar a estratégica Repartição Geral dos Telégrafos, logo após a proclamação.
[4] Os federalistas gaúchos, entretanto, continuariam suas lutas até 1895.

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